O DESTINO DO PROFESSOR RIVAIL
Era primavera em Paris. Naquela tarde, o renomado Prof. Rivail fazia uma breve retrospectiva de sua vida. Sentado na poltrona, de olhos fechados, em cadenciado solilóquio, revia suas tantas experiências no campo das ciências e das experimentações.
Desde a longínqua infância vivida na Rue Sale, 76 em Lyon, tinha por costume levar sua mente sempre ocupada com as razões e fórmulas estruturais do universo. As dimensões infinitas deslumbravam o menino. Gostava de ver o céu. As estrelas cintilantes eram convite constante para sonhos intergalácticos e, de todas as constelações, aquela de Órion lhe chamava particularmente a atenção.
A imensidão do espaço e do tempo, o tempo no espaço e o espaço no seu tempo, faziam borbulhar no espírito do pequeno Hippolyté um misto de conjecturas e recordações indefinidas e inexplicáveis. As pradarias e florestas do Condado de Rhône não lhe eram estranhas. Soube que aquela região, em outros tempos, se chamara “Gália”. A velha Lyon era Lugdunum. Esses nomes, definitivamente, lhe eram muito familiares.
Consultou seu relógio. Ainda havia tempo. A reunião estava marcada para as 20 horas. Fechou os olhos novamente e se viu a caminho da escola em Yverdum. As portas de um mundo fantástico de conhecimentos exequíveis lhe foram abertas pelo inesquecível e tão querido Professor Pestalozzi, cujas lições didáticas maravilhosas eram ofuscadas pelo amor que despendia às criaturas.
Naquela escola suíça conheceu o que poderia ser real, útil, certo, preciso, relativo, orgânico e simpático. E foi assim que o jovem lionês se tornou também admirador do pensamento positivista de Auguste Comte.
Seu caráter reto, sua lucidez e sua mente brilhante lhe renderam o posto de sub-mestre. Ajudava diretamente os professores nas tarefas de pesquisa, traduções e instruções aos alunos novatos.
Os proveitosos oito anos em Yverdum transformaram Hippolyté Rivail em um Instituteur (mestre das escolas primárias e secundárias) e Chef d´Institution (diretor escolar).
Diplomado, veio viver em Paris.
Mais de trinta anos se passaram. E ali ele estava, agora, olhando os telhados de ardósia do casario opaco, que se enquadrava na janela, envolto pelo entardecer.
Por mais de trinta anos havia exercido o magistério como um sacerdócio. Buscava a natureza das coisas, estudava a complexidade do mundo e da vida, passava tudo pelo crivo da razão, elaborava um resumo prático e transmitia os mais variados temas em linguagem clara e concisa.
Há mais de trinta anos estudava o magnetismo animal a partir das experiências de Mesmer e Puysegúr. Sabia ser possível a magnetização de qualquer objeto e fazê-lo se movimentar ativado por esse fenômeno.
Sim. Isso era possível.
Mas como explicar os fatos relatados há alguns meses pelo Sr. Carlotti? Entusiasmado, o amigo corso lhe afirmara que, em reuniões programadas para esse fim, mesas giravam e levitavam, e que além de se movimentarem respondiam às mais variadas indagações.
Não. Isso não era possível.
Houvera tratado o assunto que assolava toda Paris com respeito, mas sem nenhum interesse, visto que sua razão tratava o tema como sendo uma história fabulosa.
Porém, há poucos dias, o Sr. Fortier lhe havia falado sobre o andamento daquelas reuniões. O caráter grave, frio e calmo do velho amigo lhe induziu a fazer uma análise daquele fenômeno, até então desconhecido.
Não foi necessário nenhum esforço para persuadi-lo a participar de uma dessas experiências na casa da Sra. Plainemaison, onde a Sra. Roger seria magnetizada pelo Sr. Carlotti, e através da qual haveria a comunicação de um espírito.
A honradez e a dignidade dos envolvidos em tais experimentações eram subsídio suficiente para a certeza de que aquilo estava acima de simples e inconsequentes brincadeiras de sarau.
O endereço estava bem memorizado: Rue Grange-Batelière, 18.
Era maio de 1855. O Prof. Rivail não estava apreensivo nem ansioso, mas tinha um leve pressentimento de que sua vida mudaria.
Era um fim de tarde de primavera. Pela última vez consultou o relógio. Estava na hora. De pé, ajeitou a gravata. Na mão esquerda o chapéu. Puxou suavemente a porta e saiu caminhando, rumo certo, pelas ruas de Paris.
Sobre o Autor do artigo:
Paulo Henrique Bueno é membro da Rede Amigo Espírita
Engenheiro agrônomo
Orador e Trabalhador do Centro Espírita Allan Kardec de Carmo do Rio Claro - MG
Publicado por Amigo Espírita em 22 agosto 2013 às 17:06
O Prof, Rivail passou 50 anos gravitando em torno de questões do universo, aprofundando-se nas questõs da pedagogia, da linguística, do magnetismo, etc, preparando-se (e sendo preparado) para ser o eminente codificador da Doutrina dos Espíritos.
ResponderExcluirAinda bem que naquela tarde ele decidiu ir investigar os fenômenos emergentes do mundo espiritual.