terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Lembranças da última vez em que morri





Lembranças da última vez em que morri

Quando me vi assim tão abalado e tão triste à beira do abismo da aflição, perdido num lugar a esmo entre o meu nascimento e a minha morte prematura, não sabia calcular as conseqüências de um ato extremo, impensado e tresloucado, que iriam ressoar em meus pensamentos e ecoar em minha inconsciência por longo tempo. Que iriam repercutir em minha vida, até os dias mais recentes de sofreguidão.  

Quando me encontrei na condição na qual fui levado no mar bravio de outrora, à deriva na vida imortal concedida para nossa evolução ou para nossa perdição, sendo imantado pelos arrastamentos das correntezas de iniquidades e paixões, quanto mais eu blasfemava contra as agonias que sentia no coração em turbilhão, mais aumentava a confusão, a incompreensão, o choro convulso e a escuridão.

O superlativo das palavras que exprimem o que eu sentia, ou desvairava, reflete a dimensão do sofrimento que experimentei por um tempo incalculado. E quando pareceu que eu ia deixar de ser um passageiro da agonia entorpecente, cessando o turbilhão que me levou para lugar incerto e não sabido, comecei a sentir um peso na consciência que se projetava por todo o meu corpo...

***

 O meu corpo estava diferente, estava esfarrapado, crescido e pesado como rocha. E como rocha, estava preso em um solo úmido, escuro, lodoso, fétido e lastimoso. Mais uma vez chorei convulsivamente por incompreender tudo que me acontecia. Depois de muito chorar, adormeci e não sei por quanto tempo fiquei ausente de mim, quando enfim, acordei com a balbúrdia dos outros que se encontravam também naquele lugar.

Só então percebi que não estava sozinho, mas aprisionado num inferno coletivo! Éramos prisioneiros de nós mesmos por causa de nossas peculiares e particulares indiferenças.   Indiferença com o próximo, com as oportunidades de amar, indiferença com Deus. Então, reunidos num mesmo bloco, não poderíamos mais ignorar uns aos outros. E ficamos por uma eternidade ali, ouvindo histórias, confidências, apreendendo com os erros confessados por cada um.

Sem a luz do dia para alternar com a penumbra constante, dormíamos de fadiga mental. Invariavelmente, uns e outros haviam desaparecido do cárcere coletivo quando acordávamos. Inadvertidamente, em dado momento entre a dor e a resignação, fui recolhido com amor. Mesmo sem conseguir enxergar, mas pela delicadeza das mãos que me ampararam, percebi que eram anjos. Entre acalantos, cantos sublimes e palavras de conforto, ouvi uma voz suave que dizia: descansa um pouco agora, meu filho...

***

Não sei por quanto tempo dormi o sono justo, mas sei que foi o tempo necessário ao refazimento. Gostaria que jamais terminasse aquele bem estar que sentia, quando enfim acordei num leito aconchegante. A lembrança da agonia vivida e sofrida na última vez em que morri, parecia um pesadelo sonhado há muito tempo atrás. Então fui orientado a não pensar mais na dor e no sofrimento, mas na lição vivida e aprendida. O momento era de reflexão, planejamento, ideação e construção de um futuro melhor.

O lugar era limpo, límpido e luminoso, porém a luz era calmante e não ofuscava a minha visão oclusa. A gentileza e a cordialidade eram naturais no trato mútuo e também com os enfermos acolhidos como eu. Aquele, que eu descobriria ser meu benfeitor, convidou-me a conhecer o que seria meu porto de paz. A atmosfera psíquica do lugar era tal, que me invadiu uma sensação de harmonia e alegria íntimas; uma emoção diferente, jamais sentida, tomou conta do meu ser e eu senti então profunda esperança de paz.

Quando encerrou o passeio, meu guia na Estância me convidou a sentarmos em um banco. Foi quando recebi esclarecimentos sobre a existência, a morte, os ciclos e a vida eterna; paternalmente, me falou da importância da conscientização da vida espiritual e do regresso a ela; falou também da criação e do Criador, das leis que nos regem, suas causas e seus efeitos; esclareceu sobre nossas atitudes, suas conseqüências, necessidades de reparação e de autoiluminação...

***

Para minha grata surpresa fui convidado a permanecer e viver na Estância por longos dias. Meu benfeitor seria meu instrutor e se ocuparia de mim como seu tutelado e aprendiz no labor espiritual. A cada dia receberia uma nova lição sobre a grandeza do amor que ampara sem julgar o mérito; veria o trabalho incessante dos tarefeiros do bem resgatando, acolhendo e cuidando dos feridos da alma. Obtivera oportunidade ímpar, embora não soubesse porquê, de me refazer e me reformar antes de ter que voltar.

Embora toda a ocupação no labor espiritual que me dispus a realizar nos dias que se seguiam, abandonando a condição de enfermo para assumir a de trabalhador da seara do Senhor, tristeza profunda me tomava e oprimia o peito, acompanhada de tremenda insegurança e aflição, sempre que pensava em voltar à gleba terrestre para mais uma viagem de duras provas e  expiações; ao mesmo tempo em que me ligava mental e magneticamente àqueles que eu amava na terra.

Hoje tento fortalecer os laços com meus futuros pais na próxima encarnação da jornada evolutiva, para que eles se sintam seguros no desafio que está por vir, para mim e para eles, no laço de família que nos reunirá. Tenho buscado o entendimento da justiça e da bondade, dos caminhos de acesso ao Amor Divino. A cada dia firmo o pensamento e a vontade de vencer os obstáculos que encontrarei na minha próxima existência material. Vencendo a mim mesmo com perseverança e autoperdão, alcançarei o equilíbrio necessário a uma vida feliz!

Que Deus me ajude!

Hélio.
(Psicografia de Jaime Albuquerque)

Juruti, 12 de agosto de 2012.

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