Lembranças da última vez em que morri
Quando
me vi assim tão abalado e tão triste à beira do abismo da aflição, perdido num
lugar a esmo entre o meu nascimento e a minha morte prematura, não sabia
calcular as conseqüências de um ato extremo, impensado e tresloucado, que iriam
ressoar em meus pensamentos e ecoar em minha inconsciência por longo tempo. Que
iriam repercutir em minha vida, até os dias mais recentes de sofreguidão.
Quando
me encontrei na condição na qual fui levado no mar bravio de outrora, à deriva
na vida imortal concedida para nossa evolução ou para nossa perdição, sendo imantado
pelos arrastamentos das correntezas de iniquidades e paixões, quanto mais eu
blasfemava contra as agonias que sentia no coração em turbilhão, mais aumentava
a confusão, a incompreensão, o choro convulso e a escuridão.
O
superlativo das palavras que exprimem o que eu sentia, ou desvairava, reflete a
dimensão do sofrimento que experimentei por um tempo incalculado. E quando
pareceu que eu ia deixar de ser um passageiro da agonia entorpecente, cessando
o turbilhão que me levou para lugar incerto e não sabido, comecei a sentir um
peso na consciência que se projetava por todo o meu corpo...
***
O meu corpo estava diferente, estava
esfarrapado, crescido e pesado como rocha. E como rocha, estava preso em um
solo úmido, escuro, lodoso, fétido e lastimoso. Mais uma vez chorei
convulsivamente por incompreender tudo que me acontecia. Depois de muito
chorar, adormeci e não sei por quanto tempo fiquei ausente de mim, quando enfim,
acordei com a balbúrdia dos outros que se encontravam também naquele lugar.
Só
então percebi que não estava sozinho, mas aprisionado num inferno coletivo! Éramos
prisioneiros de nós mesmos por causa de nossas peculiares e particulares indiferenças. Indiferença com o próximo, com as
oportunidades de amar, indiferença com Deus. Então, reunidos num mesmo bloco,
não poderíamos mais ignorar uns aos outros. E ficamos por uma eternidade ali,
ouvindo histórias, confidências, apreendendo com os erros confessados por cada um.
Sem
a luz do dia para alternar com a penumbra constante, dormíamos de fadiga
mental. Invariavelmente, uns e outros haviam desaparecido do cárcere coletivo quando
acordávamos. Inadvertidamente, em dado momento entre a dor e a resignação, fui
recolhido com amor. Mesmo sem conseguir enxergar, mas pela delicadeza das mãos
que me ampararam, percebi que eram anjos. Entre acalantos, cantos sublimes e
palavras de conforto, ouvi uma voz suave que dizia: descansa um pouco agora, meu
filho...
***
Não
sei por quanto tempo dormi o sono justo, mas sei que foi o tempo necessário ao
refazimento. Gostaria que jamais terminasse aquele bem estar que sentia, quando
enfim acordei num leito aconchegante. A lembrança da agonia vivida e sofrida na
última vez em que morri, parecia um pesadelo sonhado há muito tempo atrás. Então
fui orientado a não pensar mais na dor e no sofrimento, mas na lição vivida e aprendida.
O momento era de reflexão, planejamento, ideação e construção de um
futuro melhor.
O
lugar era limpo, límpido e luminoso, porém a luz era calmante e não ofuscava a minha
visão oclusa. A gentileza e a cordialidade eram naturais no trato mútuo e também
com os enfermos acolhidos como eu. Aquele, que eu descobriria ser meu
benfeitor, convidou-me a conhecer o que seria meu porto de paz. A atmosfera
psíquica do lugar era tal, que me invadiu uma sensação de harmonia e alegria
íntimas; uma emoção diferente, jamais sentida, tomou conta do meu ser e eu
senti então profunda esperança de paz.
Quando
encerrou o passeio, meu guia na Estância me convidou a sentarmos em um banco. Foi quando recebi esclarecimentos
sobre a existência, a morte, os ciclos e a vida eterna; paternalmente, me falou
da importância da conscientização da vida espiritual e do regresso a ela; falou
também da criação e do Criador, das leis que nos regem, suas causas e seus
efeitos; esclareceu sobre nossas atitudes, suas conseqüências, necessidades de
reparação e de autoiluminação...
***
Para
minha grata surpresa fui convidado a permanecer e viver na Estância por longos
dias. Meu benfeitor seria
meu instrutor e se ocuparia de mim como seu tutelado e aprendiz no labor
espiritual. A cada dia receberia uma nova lição sobre a grandeza do amor que
ampara sem julgar o mérito; veria o trabalho incessante dos tarefeiros do bem
resgatando, acolhendo e cuidando dos feridos da alma. Obtivera oportunidade
ímpar, embora não soubesse porquê, de me refazer e me reformar antes de ter que voltar.
Embora
toda a ocupação no labor espiritual que me dispus a realizar nos dias que se
seguiam, abandonando a condição de enfermo para assumir a de trabalhador da
seara do Senhor, tristeza profunda me
tomava e oprimia o peito, acompanhada de tremenda insegurança e aflição, sempre que pensava em
voltar à gleba terrestre para mais uma viagem de duras provas e expiações; ao mesmo tempo em que me ligava mental
e magneticamente àqueles que eu amava na terra.
Hoje
tento fortalecer os laços com meus futuros pais na próxima encarnação da
jornada evolutiva, para que eles se sintam seguros no desafio que está por vir,
para mim e para eles, no laço de família que nos reunirá. Tenho buscado o
entendimento da justiça e da bondade, dos caminhos de acesso ao Amor Divino. A
cada dia firmo o pensamento e a vontade de vencer os obstáculos que encontrarei
na minha próxima existência material. Vencendo a mim mesmo com perseverança e
autoperdão, alcançarei o equilíbrio necessário a uma vida feliz!
Que
Deus me ajude!
Hélio.
(Psicografia de Jaime Albuquerque)
Juruti, 12 de agosto de 2012.
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