domingo, 28 de agosto de 2016

Um domingo diferente


Último domingo do mês é dia de entrega de cestas básicas no CECON-Centro Espírita O Consolador de Juruti.

Famílias cadastradas recebem cestas mensalmente. Para as cestas excedentes, fruto de doações de amigos e simpatizantes da causa, realizamos uma entrevista de triagem no próprio CECON, depois encaminhamos alguns candidatos para seus lares e nos dirigimos em seguida a eles a fim de realizar entrevista complementar in loco.

Hoje, infelizmente, tivemos que dispensar três pessoas por falta de cestas suficientes. 

Na entrevista de triagem, uma menina de 3 anos no colo da mãe, chorava um choro daqueles que respira soluçando e deságua num choro sentido. Então perguntei:

- Por que ela tá chorando?

- É que ela não come de manhã, e agora tá chorando. Respondeu a mãe com ar de preocupação no rosto, tentando dar água à criança, que rejeitava o copo.

Era fome!... 

Na atividade de campo, como em outros dias, encontramos casas paupérrimas, de dois ambientes, onde o casal dorme no mesmo ambiente que os filhos (o que é desaconselhado pela psicologia infantil); cozinhas de enfeite, aonde só se vão pra tomar água, porque não dispõe de alimentos. Raras vezes encontramos apenas peixes. 

Em certo endereço, entre a antena da TIM e o Estádio Pimpão, entre a tecnologia e a diversão, nos deparamos com uma casa de chão batido e a falta de brinquedos. Entre contrastes, encontramos nove filhos que vão dos 14 anos até à caçulinha de 2 anos, magrinha, estava dormindo numa cama de casal entre mil redes num só vão.

Nessa casa não há quartos e o banheiro é lá fora. Não há privacidade.

Nesse lar não há posse, nem de rede, nem de cama. Tudo é compartilhado.

Não há louça, nem pratinhos infantis, nem copos com desenhos de bichinhos. Apenas panelas amassadas.

Não há refeições regulares... 

Cida, companheira no trabalho de assistência, que me acompanhava na visita, perguntou à nossa visitada:

- O que vão almoçar hoje?

E a resposta, já conhecida nossa por ouvi-la de outras bocas vazias, é sempre a mesma:

- Hoje não temos nada ainda!

As outras crianças brincam no terreiro com paus e rodas soltas, quiçá, pra despistar a fome. 

Pra quem sente fome, todos os dias são iguais. Não nos compete questionar porque não vão à luta, porque muitas das vezes a luta é desigual. 

E no final, sempre deixamos uma cesta básica simples de dez quilos. E vemos a curiosidade das crianças de saber o que tem nela e sorrisos despontarem dos seus rostos. 

Deixamos o alimento material, que certamente vai acabar antes de dez dias, mas também deixamos gotas de esperança, que de gota em gota, vão alimentar a espera da próxima alegria.

Certamente esse domingo foi um dia diferente para eles! 

Para nós outros foi transformador. E nós sairemos dele melhor do que entramos! 

Por Jaime Albuquerque
Juruti, 28 de agosto de 2016.

domingo, 7 de agosto de 2016

Sobre meninos e panelas - Parte II


Sobre meninos e panelas–Parte II

... E ao chegarmos na penúltima rua do bairro simples da  P1em Juruti, ainda  a uma certa distância do ponto de distribuição da sopa fraterna, que fica no final da rua, já ouvimos o anúncio de um garoto:
- O carro da sooopaaaa!!!!!
Já acho graça, pois o anúncio tem um misto de alegria e aviso aos demais que estão jogando bola num terreno desocupado ou estão dentro das casas simples de madeira.
Um grupo de meninos e suas panelas já estão a postos no ponto de distribuição. Quando descemos, a fila, rapidamente, já está formada na traseira do “carro da sopa”. Mas não estão todos ainda!
Antes de iniciarmos a distribuição, pergunto:
- Quem gosta de sopa?
-Eeeeeeu! Grita o coro das crianças que estão na fila. E a recomendação se repete:
- Mas tem que comer todas as verduras, certo?
Um pequenino de uns 3 ou 4 anos pergunta ansioso:
- A sopa é de que?
- De galinha.
E ele faz uma carinha de que gosta de sopa de galinha.
A distribuição segue com Brandão e Aparecida dispondo a sopa nas panelas.
- Quantos são na sua casa?
- Nove.
- E na sua?
Um menorzinho pára, pensa um pouco olhando pra cima e responde:
- Dez.
Outro:
- Sete.
Enquanto isso, uns meninos descem a rua levando a sopa, dobram à esquerda, em direção a última rua da P1, no limite da área de preservação ambiental do Jará. Logo surgem outros meninos e meninas vindos do mesmo lugar, correndo, subindo a rua em que estamos, de panelas na mão. Foram avisados pelos que já haviam recebido a tão esperada sopa. A solidariedade é comum entre os que sabem seu valor!
Em seguida, a distribuição tem uma pausa, enquanto esperamos os retardatários. Enquanto isso, converso com dois irmãos que já receberam sopa e estão no portão de sua casa.
- Como é teu nome? Pergunto ao maior e ele responde:
- Marcos.
Meio acanhado, meio desconfiado. Talvez por que não seja comum receber atenção dos adultos. Pergunto então ao menor:
- E o teu?
-Mateus. Responde rápido como um raio.
- Hum, vocês tem nome de santo! Eles sorriem olhando pro chão.
O maior tenta mostrar habilidade com um tico-tico e cai. O menor ri bastante.
- Vocês tem mais irmãos? Como é o nome deles?
Marcos fala mais três nomes que não consigo grava-los.  Pergunto ainda pela idade dos dois e descubro que tem 7 e 4 anos. Enquanto a tarefa finaliza, fico pensando no tamanho daquelas crianças, provavelmente abaixo do peso, que alguns pais, na vida simples e sofrida da pobreza, escolhem para seus nomes o dos apóstolos do cristo na esperança que tenham um futuro conforme prometido por Jesus.
Então, novamente me vem à lembrança aquela belíssima história contada a mim pelo confrade Arimatéia, de Santarém, na qual um Espírito sublime, e por isso mesmo anônimo, orienta por um emissário, um grupo de certo Centro Espírita que estava na iminência de cancelar o trabalho da sopa (por dificuldades na arrecadação dos mantimentos),  a  superar as dificuldades e manter a tarefa. E o Espírito revela docemente por que: Para muitas daquelas pessoas que recebiam a sopa, aquele prato era a refeição mais completa e importante da semana.
A noite cai. E, de coração firme no propósito, seguimos para a última parada na Rua da Saudade: a casa de Kelly...

Por Jaime Albuquerque

Juruti, 06 de agosto de 2016